No maior evento paralelo à Rio+20 , a palavra de ordem é protestar. Mas há também quem aproveite para fazer umas comprinhas
Cecília Ritto, do Rio de Janeiro
A estudante Simone posa com os potiguaras (Cecilia Ritto)
Fora os protestos mais raivosos, o clima é de paz. E de festa. Os índios aproveitam a Cúpula dos Povos também para vender seu artesanato, pulseiras, colares, anéis, brincos e cocares
Enquanto o Comitê Preparatório busca o consenso no Riocentro, na Cúpula dos Povos está decidido: todos são contra. Contra o Código Florestal, a energia nuclear, a privatização da saúde, a publicidade para crianças, os grandes empreendimentos e tudo o que passe perto do capitalismo. “Somos o contraponto à conferência oficial. Não concordamos com aquele documento que está sendo redigido”, dizia um indígena ao microfone, antes mesmo de o tal documento ficar pronto.
O maior evento paralelo à Rio+20 ganhou os mesmos contornos radicais daquele concomitante à ECO 92, o Fórum Global, que tornou popular no Brasil as bandeiras e o estilo dos ambientalistas. Passados 20 anos, estão abertas, no mesmo Aterro do Flamengo, uma infinidade de discussões sobre o meio ambiente promovidas por ONGS e grupos da sociedade civil. Na tenda dos indígenas, o recado dado pelo índio ao microfone na manhã de domingo ecoava pelos jardins de Burle Marx e era repetido como mantra pela cúpula.
O espaço destinado aos cerca de 1.500 índios garante a aparência exótica à conferência. No entanto, o ar romântico saiu de cena, e aquela ingenuidade indígena, um dos mitos da origem do povo brasileiro, abriu espaço para etnias aguerridas e de voz grossa, amplificada pelos alto-falantes. O cocar e a pintura no corpo misturados às marcas estampadas no tênis e no relógio mostravam que as tribos estão mais incorporadas ao sistema capitalista do que eles próprios gostariam de assumir.
Giovana Mandulão, de 26 anos, tem o rosto de uma índia e o vestuário de uma jovem de cidade grande. Nascida em Roraima, pertencente aos povos Macuxi e Wapichama, estuda nutrição da UNB. O objetivo é voltar à aldeia e prestar atendimento aos seus iguais. Se no braço estava uma pintura claramente indígena, no pulso, um relógio da marca Tommy Hilfiger compunha o novo visual indígena. A mochila da Puma nas costas comprovava: a globalização – e talvez a falsificação – chegou para todos.
Na mesma tenda, cocares se misturavam aos bonés do MST e da Via Campesina. A moda mesmo era o de cor verde, da Via Campesina, que enfeitou a cabeça de jovens loiras com luzes irretocáveis e câmeras fotográficas digitais na mão – bem mais sofisticadas que o gravador K7 do cacique Juruna, que registrava as falas dos brancos em Brasília antes da era dos grampos. Puxado pelo movimento indígena, todos na tenda foram chamados a ir ao Riocentro, talvez no dia 20, como forma de protestar contra as decisões dos chefes de estado.
Regina vai às compras na Cúpula dos Povos
Fora os protestos mais raivosos, o clima é de paz. E de festa. Os índios aproveitam a Cúpula dos Povos também para vender seu artesanato, pulseiras, colares, anéis, brincos e cocares. Ana Carolina Toledo, de 27 anos, foi passear com o filho de seis meses pelo evento. Enquanto amamentava, um parente foi avisar que conseguiu um cocar para o bebê por 25 reais.
Aécio Moreira, de 53 anos, que costuma ir ao Aterro aos domingos para participar das corridas de fim de semana, dessa vez viu as competições serem suspensas por causa da cúpula. Com um pequeno símbolo indígena na cabeça, que tinha acabado de comprar, constatou: “Esses índios estão careiros”, disse, divertindo-se, como algumas centenas de cariocas que fez da Cúpula dos Povos um programa de domingo.
Onde Moreira comprou o cocar havia um mais sofisticado, sendo vendido por 400 reais. “Olha para cá, índio”, pedia outra moça interessada em comprar o artesanato exposto no chão. O índio no caso tem 21 anos, chama-se Txawá e corre o Brasil vendendo os objetos da aldeia Pataxó Coroa Vermelha.
No fim de semana misturaram-se pelo Aterro ativistas e ambientalistas com crianças e jovens sobre seus patinetes, patins e skates. Os mais velhos, como quem visita outro país, saíram com souvenires - bastante originais, é verdade. Regina Azevedo, de 62 anos, moradora da zona sul, é figura fácil na Cúpula dos Povos. “Estou encantada, meu amor. Sou descendente de índios. Estou apaixonada por isso tudo. Esse sangue corre em minhas veias”, disse Regina. No sábado, ela gastou 200 reais e, no domingo, já batia a casa dos 100, impulsionada pela compra de um pandeiro, que pretende aprender a tocar em breve. O vendedor dos instrumentos, que misturava o português com o espanhol, tentou empurrar mais produtos. “Tenho flauta transversal e flauta doce”. “Doze?”, perguntou Regina, confundindo o preço com um tipo de flauta.
Fonte: Veja.com