Líderes indígenas do Brasil e do exterior vão se reunir em Jacarepaguá, conectados com nações de outras partes do mundo
RIO - Quer saber como funciona uma aldeia global, onde todos têm igual chance de participar graças às tecnologias da informação? Utopia ou realidade, o fato é que, durante a Rio+20, o conceito do filósofo Marshall McLuhan será exercido na prática por 400 indígenas brasileiros e outros 1.200 estrangeiros, vindos de países tão diferentes como Etiópia e Estados Unidos. Nos dias da conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável (Rio+20), de 13 a 22 de junho, eles participarão de debates ligados às questões ambientais em cinco ocas superconectadas, que serão montadas na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, como noticiou a coluna Gente Boa. A aldeia, chamada Kari-Oca, é uma reedição da que foi erguida, também em Jacarepaguá, para a Rio 92.
O líder indígena Marcos Terena, que está à frente da organização da Kari-Oca pelo Comitê Intertribal, revela que a aldeia terá duas ocas especiais: uma eletrônica, high-tech, e uma da sabedoria, dedicada aos principais líderes espirituais indígenas do mundo, que ali discutirão temas no campo da sustentabilidade e da economia verde.
— A oca das tecnologias eletrônicas terá o índio usando a tecnologia como um utilitário, e não como bem de consumo — diz Terena, líder da Reserva Indígena de Taunay (Pantanal) e um dos fundadores do Movimento Indígena Nacional, ao explicar a concepção do espaço, que terá computadores e equipamentos para que índios navajos, do Arizona, possam participar dos debates mesmo estando nos Estados Unidos. — Não basta colocar computador na oca. Tem que gerar conteúdo.
Os 400 índios brasileiros que virão à cidade para a Rio+20 integram 25 nações. Do exterior, entre os grupos esperados, estão os maias, da América Central, os miskitos, da Nicarágua, e índios do Canadá.
Por fora, as ocas serão iguais às dos povos do Alto Xingu. Mas a sua construção contará com algumas novidades que estão sendo planejadas, como o uso de material renovável produzido aqui mesmo no Estado do Rio. Só a parte estrutural das cabanas, afirma Terena, será trazida do sul do Pará:
— As madeiras dos arcos das ocas terão que vir do Alto Xingu. Mas vamos usar tudo que pudermos de material reaproveitável do Rio para prestigiar e contribuir com a moradia do homem branco.
Pelo menos três ocas, entre elas a arena, serão totalmente típicas, sem o uso de um prego sequer. Já se sabe que a eletrônica terá que ser mista.
A programação já prevista para acontecer na Kari-Oca inclui o lançamento oficial dos primeiros Jogos Mundiais Indígenas, com a assinatura de um protocolo entre 16 países. Aproveitando a onda dos Jogos Olímpicos de 2016, Terena conta que o movimento indígena pretende sensibilizar o prefeito Eduardo Paes para que os jogos aconteçam no Rio no ano que vem. O evento, que tem como motivo a celebração, e não a simples competição, e já tem o apoio do Ministério do Esporte, contará com jogos tradicionais indígenas, como corrida de tora, futebol de cabeça e travessia de rio a nado. Piscina, nem pensar.
Na Kari-Oca também devem ocorrer atividades diversas, sempre dentro da temática da Rio+20, como saraus com artistas envolvidos na causa e poetas indígenas brasileiros e estrangeiros. Há intenção de se criar um sistema de coleta de lixo na região da Colônia Juliano Moreira envolvendo índios e moradores da área. A pedido dos caciques que virão ao Rio, eles serão levados até a sede de um outro “cacique” — o de Ramos —, na Zona Norte, para conhecer o prestigiado bloco de carnaval.
— Será um encontro histórico — prevê o líder Terena.
Na tentativa de fumar o cachimbo da paz com o prefeito para a instalação da Kari-Oca, Paes ganhará de presente uma “borduna de chefe” (espécie de lança de madeira). A pouco mais de 30 dias da Rio+20, Terena diz que o momento agora é de correr atrás de apoio da iniciativa privada e dos governos para que a aldeia saia do papel.
Após visitarem na tarde de ontem a Colônia Juliano Moreira e a Quinta da Boa Vista (onde ficará o acampamento da Cúpula dos Povos), Terena e outros índios foram recebidos pelo prefeito Eduardo Paes, que disse aprovar a ideia de realizar no Rio a primeira edição dos Jogos Mundiais Indígenas:
— Além de sediar a aldeia na Colônia Juliano Moreira, a prefeitura quer mais: quer trazer os Jogos Mundiais Indígenas para a cidade — disse o prefeito, que também garantiu ajuda na infraestrutura da Kari-Oca.
O índios ainda conversaram com Paes sobre o desejo de visitar algumas favelas e de conhecer experiências positivas no Rio na área da sustentabilidade. O encontro, no gabinete do prefeito, foi acompanhado por um pajé, que comandou um ritual de agradecimento pelo apoio à causa indígena
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