Para o Greenpeace, presidenta Dilma começa o ano com “saldo negativo”; amazônida, senador Randolfe Rodrigues diz que governo repete os erros da ditadura
Em 2010, James Cameron encantou milhões de pessoas mundo afora com os efeitos especiais em 3D do blockbuster Avatar, o filme mais visto da história. Na película, militares norte-americanos cobiçam as riquezas minerais dos Na’Vi, espécie de tribo que, isolada em uma lua extraterrestre, vivia em comunhão com a natureza.
Da ficção para a realidade, naquele ano Cameron veio ao Brasil para participar, em plena Esplanada dos Ministérios, de protestos ambientalistas contra a construção de Belo Monte – a polêmica usina em construção no meio da Amazônia que, ao fim dos trabalhos, será a maior do mundo. Na ocasião, James e uma das atrizes do filme, Sigourney Weaver, uniram-se a mais de mil integrantes de movimentos sociais e lideranças do Parque Indígena do Xingu, comunidade afetada pela hidrelétrica.
Longe de estacionar no passado ou na ficção, os protestos de Cameron contra Belo Monte ganham agora ressonância das mais variadas vozes, agora voltados contra o Complexo Tapajós – que já está sob a mira da Procuradoria-Geral da República. Comparado àquela obra cinematográfica pelo próprio ministro de Minas e Energia, o roteiro do projeto promete dividir a academia. Mas, como a matéria sequer entrou em pauta e a discussão mal começou, políticos e representantes, com raras exceções, alegam ainda não ter estudado o assunto.
“No que diz respeito a essa MP, o governo mais uma vez escolheu o instrumento errado para fazer a coisa errada. Aprovando essa medida, o saldo da [presidenta] Dilma vai ficar negativo”, disse à reportagem o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Nilo D’Ávila, um dos poucos que já tiveram algum contato com o teor da MP.
Preocupado com a priorização de projetos de desenvolvimento na Amazônia em detrimento das ações de preservação, Nilo lamenta a política ambiental desenvolvida na gestão Dilma. “Além de não criar unidade de conservação na Amazônia, ela [Dilma] começa a diminuir o que não criou”, acrescenta o ambientalista.
A mesma opinião foi manifestada ao Congresso em Foco pela secretária geral do WWF-Brasil, Maria Cecília Wey de Brito. Ela lembra que as unidades de conservação são criadas por meio de decreto presidencial ou estadual, mas só podem ser alteradas ou reduzidas por lei – desde que não comprometa a razão original da reserva. “O governo não pode querer, a cada nova obra ou interesse, modificar as unidades a toque de caixa, por meio de MPs”, diz a ambientalista do WWF, cujo conselho consultivo reúne, entre outros, a atriz Camila Pitanga, a apresentadora de TV Cyntia Howlett, o consultor Stephen Kanitz e o vice-presidente das Organizações Globo, José Roberto Marinho.
O próprio ministro Edison Lobão admite que, a exemplo de Belo Monte, o “projeto Avatar” provocará intensa reação de diversos setores da sociedade. Mas, certo de que a empreitada terá final feliz, como aconteceu nas telas, o ministro segue firme no propósito governista alegando a “necessidade que tem o nosso país de energia elétrica, para o crescimento e para o bem-estar social do povo”.
“Essa grita quanto a Tapajós, não podemos sonhar que não vai haver. Haverá. Porém, estamos tomando os cuidados possíveis, como fizemos com Belo Monte – respeito ao meio ambiente, a todas as condicionantes do Ibama, que tem sido rigoroso nisto. Temos cumprido todas as condicionantes, uma a uma – no meu entendimento até exageradas, mas vamos cumprir todas”, garantiu Lobão.
“Crime contra a natureza”
Líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR) diz ainda não ter se inteirado suficientemente sobre o assunto para emitir uma opinião mais qualificada. Mas, em rápida entrevista ao Congresso em Foco, já deu o tom de como a matéria será recebida na Casa. “Eu creio que [o projeto] é uma contradição depois de todo o debate sobre o Código Florestal, que envolveu ambientalistas receosos de medidas tímidas, que se anunciam. À primeira vista, é um crime contra a natureza”, fustiga o tucano, depois de conhecer as linhas gerais da medida – instrumento legislativo que, para o senador, ao tratar do tema ecologia já demonstra as reais intenções do governo.
“Aprovar [o projeto] por MP é prenúncio de violência contra o meio ambiente”, critica Alvaro, para quem a “pressa, o açodamento e a imposição” sinalizados pelo Planalto com a edição da medida são prova de que se quer evitar o debate. “Além do óbvio impacto ambiental que esse projeto vai proporcionar, haverá uma repercussão internacional muito negativa.”
Já o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), demonstrou postura cautelosa ao ser abordado sobre o assunto. Mas ele admitiu a “complexidade” do tema e disse à reportagem que é preciso avaliar “em que contexto” a MP altera as áreas de conservação na Amazônia. “O rio Tapajós é um rio belíssimo, e qualquer intervenção tem de ser feita com muito cuidado. Mas é louvável que o Brasil esteja desenvolvendo tecnologia de menor impacto ambiental. Temos que avaliar qual impacto esse projeto terá no rio Tapajós. É essa discussão que queremos aprofundar”, ponderou Rollemberg, adiantando que promoverá audiência pública na comissão para discutir o assunto. A exemplo de Alvaro Dias, ele também diz que a MP não é o caminho legislativo mais indicado para o caso. “Acredito que um projeto de lei daria mais possibilidade de aprofundar o debate.”
Também sem querer adiantar a discussão, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), não vê ameaças à ecologia com a edição da MP. “O governo tem executado ações que protegem o meio ambiente”, resumiu o peemedebista à reportagem, logo após reunião de líderes com o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), na última terça-feira (14).
Palavra de amazônida
Defensores de doutrinas partidárias opostas, dois senadores amazônidas ouvidos pela reportagem fizeram fortes críticas à primeira MP do ano. Representantes de estados cobertos pela Amazônia, Amapá e Pará, ambos dizem ver retrocesso na política ambiental da presidenta Dilma.
“É um risco descabido. O Brasil está perdendo na seara ambiental desde o ano passado. É o mesmo erro que o país comete há 40 anos, desde a ditadura militar: achar que o modelo de desenvolvimento da Amazônia é o de prejudicar o meio ambiente baseado em supostos grandes projetos. Não há diferença alguma entre grandes hidrelétricas e a primeira estrada Transamazônica”, apontou Randolfe Rodrigues (Psol-AP), para quem a MP, ao reduzir as unidades de conservação, “isenta o crime de alagar a floresta”.
“Esse é o sentido da MP, reduzir a área florestal”, acrescenta o senador, defendendo que o governo deveria desenvolver alternativas para a geração de energia – e não editar uma medida provisória para resolver a questão nos velhos moldes. “Uma MP pedindo redução de reservas na Amazônia denuncia que há perigo para a preservação.”
O tucano Flexa Ribeiro (PA) engrossa o coro contra a edição de MPs, ainda mais para dispor sobre assuntos com implicações ambientais. “Eu discordo de qualquer MP que não tenha urgência e relevância, como essa. O governo as utiliza ao bel prazer quando tem interesse de fazer intervenções que, a juízo dele, precisam ser feitas sem qualquer análise”, fustigou o parlamentar paraense, também sem querer emitir opiniões sobre o mérito da matéria.
Para Flexa, a análise do tema deveria ser aprofundada no Legislativo federal, ao invés do “decreto presidencial” simbolizado na edição de MPs. “Isso aqui é uma Federação ou não?”, questionou o senador, acrescentando outra pergunta à sua contestação – agora sobre a alegada demanda de energia elétrica por parte do governo. “Será que a energia a ser gerada [a partir de Tapajós] é, de fato, importante?”