POR ORLANDO CALHEIROS
Janeiro de 2010, ainda nos primeiros dias de minha pesquisa de campo entre os Aikewara, povo Tupi-Guarani do Pará, ouvi falar de uns tais “suecos” -outros diziam “finlandeses”, de fato pouco importa-, que supostamente estariam prestes a aportar nos limites da Terra Indígena trazendo consigo um “projeto de desenvolvimento sustentável” para a população local.
No decorrer das semanas, conversando com alguns dos mais jovens da aldeia, descobri que o “projeto” era, na verdade, um acordo de venda de créditos de carbono com uma empresa estrangeira. Perguntar por maiores detalhes era invariavelmente escutar que deveria procurar pelo “Seu Tibério”.
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“Seu Tibério”, ou melhor, Tibério Joaquim da Cunha Neto, era, na época, o chefe de posto da Terra Indígena Sororó, lotado na sede da coordenação regional da Funai em Marabá (PA) há mais de um ano. Sob a desculpa de falta de quadro funcional na sede, não havia um chefe de posto residente na aldeia.
Finalmente, no mês de março, praticamente dois meses após minha chegada, acompanhado de dois indígenas, Mairá Surui (o cacique) e Arikasá Surui, pude encontrá-lo para, entre outros assuntos, falar sobre os tais “suecos”.
O chefe de posto, sem revelar diretamente o nome da empresa, contudo, aludiu se tratar da mesma empresa que recentemente havia tentado fechar um acordo com os Tembé, C-Trade. Ele confirmou com certo orgulho que todo o processo era fruto da iniciativa e do esforço da coordenação regional.
Registrei a fala de Tibério em meu caderno de campo: “quando vimos isso (o acordo com os Tembé) pensamos logo em vocês”. Segundo o mesmo, mostrando papéis em sua mesa, o projeto já estava pronto e prestes a ser encaminhado para a empresa.
Durante o decorrer dos meses em que permaneci entre os Aikewara, sempre que falava sobre o assunto obtinha como resposta um: “o povo da Funai é quem sabe!”.
Até que, em agosto, Mairá, recém-chegado de Marabá, reuniu os Aikewara para dizer que havia conversado com “Carlitos” - Carlos Borromeu Pereira, coordenador regional da Funai, e que o acordo com os os “suecos” estava para, finalmente, ser consolidado.
Naquela noite, a fala do capitão indígena se deteve no papel da comunidade, na forma como esta deveria se policiar contra possíveis exageros na temporada de feitura de roças que se avizinhava: cada alqueire desmatado representaria uma diminuição substancial nos recursos financeiros vindouros.
Em setembro daquele mesmo ano, Carlos Barromeu, em viagem extra-oficial feita em carro particular, foi até a aldeia Sororó para falar sobre as eleições, pedir votos para os candidatos da legenda de seu partido, o PT. Durante os meses que vivi entre os Aikewara, aquele foi o único momento que o vi na aldeia.
Na ocasião, interpelado pela população sobre o andamento do processo, na minha presença, afirmou que estava tudo correndo bem e que até o fim daquele ano tudo estaria resolvido.
Ao longo do ano de 2011, período em que apenas fiz curtas visitas à aldeia Aikewara, pouco ou nada me falaram sobre o tema. Pudera, os indígenas estavam muito mais preocupados com os incêndios que assolavam a mata e a presença de uma mineradora (a notória Dow Corning) nos limites de sua terra.
O tempo passou e o assunto parece ter sido esquecido, mas atualmente está encarado pelos indígenas como apenas uma falsa promessa feita pela coordenação regional.
De fato, em que ponto a negociação acabou ou se é que ela realmente existiu, é difícil saber. O que sei e relato foi aquilo que vi e escutei daqueles que, em tese, deveriam proteger os Aikewara deste tipo de acordo.
Orlando Calheiros é antropólogo, doutorando do Museu Nacional
Foto: Orlando Calheiros