Uma truculenta ação de reintegração de posse ocorrida na aldeia Cahy, localizada na Terra Indígena (TI) Comexatibá, na Bahia, pegou de surpresa dezenas de famílias do povo Pataxó do extremo Sul da Bahia na manhã desta terça-feira (19). Casas foram destruídas, muitas delas com os pertences dos indígenas em seu interior, além do posto de saúde e da escola, cujos materiais local foram jogados em uma área a quase um quilômetro da aldeia.
Conforme o relato dos indígenas, cerca de 100 policiais federais, militares e civis, acompanhados de agentes da Companhia Independente de Policiamento Especializado/Mata Atlântica (CAEMA), chegaram à aldeia às sete horas da manhã anunciando a reintegração de posse. “Eles deram um prazo para a gente retirar as coisas das casas, mas o prazo não foi suficiente. Mesmo assim, eles tocaram as patrolas por cima, com as coisas dentro mesmo”, afirma Xawã Pataxó, liderança da aldeia Cahy.
“A reintegração aconteceu de surpresa, no dia em que a comunidade estava se organizando para a festa de São Sebastião. A escola estava sendo organizada para o início do ano letivo, e eles tiraram tudo de dentro e jogaram numa área quase um quilômetro longe da aldeia, de fogão a giz de cera. Agora estamos na rua, não sabemos para onde ir”, relata a liderança.
Outros relatos publicados nas redes sociais dão conta de que as estradas que davam acesso à área indígena haviam sido bloqueadas durante a ação de despejo, de maneira que os indígenas ficaram isolados enquanto sofriam a truculenta ação dos policiais. Um vídeo publicado no facebook mostra uma senhora indígena em frente aos escombros do que era sua casa, indignada e confusa com a situação. “"Eu queria que a Funai o mais rápido tomasse providência. [...] Eu tenho também sete filhos, um deles é deficiente, tem outra pequena de sete meses. Como faço, vou ir pra onde, se não tenho pra onde ir? Estou com meu coração doendo”.
Em 2013, os Pataxó da aldeia Cahy retomaram uma parte de seu território tradicional, que já estava sob estudo da Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2006. A partir da retomada do território, os indígenas passaram a sofrer uma série de ações de reintegração de posse movidas pelo Incra, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por fazendeiros e por pousadeiros (donos de pousada que exploram o turismo na região).
A aldeia Cahy é uma das nove que compõem a TI Comexatibá, que fica no distrito de Cumuruxatiba, município de Prado (BA) e cujo Relatório Circunstanciado foi publicado pela Funai no dia 27 de julho de 2015. Nesta data, 28 mil hectares foram identificados e delimitados como pertencentes ao território tradicional dos Pataxó, e o passo seguinte - ainda aguardado - deve ser a publicação da Portaria Declaratória do Ministério da Justiça.
Há muitos interesses privados na área da TI Comexatibá e, segundo os Pataxó, há diversas ocupações de má-fé – que não poderiam, portanto, ser indenizadas – incidindo sobre a área tradicional. “Tem muitos interesses na nossa terra, tem gente que quer fazer resorts, fechando até as praias para fazer áreas privadas para exploração”, afirma a liderança Pataxó.
Em agosto de 2015, homens armados invadiram a aldeia Cahy e queimaram uma maloca que continha artesatos e objetos de uso tradicional e religioso. Em seguida, ocorreram uma série de ataques de pistoleiros e os indígenas chegaram ao ponto de esconder seus filhos em caixas d’água à noite, com medo dos tiros.
A reintegração de posse executada na manhã desta terça-feira (19) foi determinada pelo juiz Guilherme Bacelar, da Subseção da Justiça Federal de Teixeira De Freitas (BA), e surpreendeu os Pataxó por tratar-se de uma área já identificada e delimitada e porque, nos últimos meses, os indígenas vinham fazendo várias reuniões com representantes do poder público para garantir a permanência da comunidade na área que está com o processo de demarcação avançado, aguardando a publicação da Portaria Declaratória pelo Ministério da Justiça.
Na decisão proferida pelo juiz em favor de uma fazendeira da região, contudo, o relatório já publicado pela Funai não seria critério suficiente para impedir a reintegração de posse, e a situação de insegurança e vulnerabilidade em que os indígenas agora se encontram também não foi considerada um problema. “A gente tinha horta lá, é uma parte importante da nossa subsistência o plantio de mandioca, melancia que a gente vende pro pessoal da cidade. Não sabemos como vamos fazer agora”, afirma a liderança Xawã Pataxó.
Em setembro de 2015, o mesmo juiz decidiu não conceder uma liminar requerida pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública. Na ação, o MPF caracterizava o caso como de “grave omissão” do poder público, em função da insegurança física e jurídica decorrente da demora na demarcação, e solicitava que o juiz Guilherme Bacelar estabelecesse um prazo de 180 dias para o Ministério da Justiça publicar ou manifestar-se sobre a Portaria Declaratória da TI Comexatibá.
Os Pataxó despejados da área já identificada e delimitada como sua realizaram hoje uma manifestação na cidade de Prado, denunciando a brutalidade da reintegração de posse e buscando solução para a situação de vulnerabilidade a que agora estão submetidos.