sexta-feira, 20 de maio de 2016

La Gran Muerte: genocídio e violações de direitos são denunciados por indígenas e Cimi em Fórum da ONU

"Esta semana recebemos mais uma ordem de despejo contra famílias Kaiowá. É o tekohá Apykai da cacique Damiana, companheira que perdeu o marido, dois filhos, dois netos e outros parentes atropelados quando foram expulsos de seu território e obrigados a viver às margens de uma rodovia.
Sua tia morreu quando fazendeiros lançaram pesticidas sobre ela", disse Eliseu Lopes Guarani e Kaiowá aos mais de mil indígenas de todo o mundo presentes na 15ª edição do Fórum Permanente da Organização das Nações Unidas (ONU) Sobre a Questão Indígena, ocorrida nesses primeiros 20 dias do mês de maio em Nova Iorque (EUA).
A qualquer momento cacique Damiana poderá voltar com sua comunidade para as margens da rodovia expulsa por uma ordem de despejo. Eliseu explica que para os "anciãos Nhanderú" de seu povo se trata de La Gran Muerte; na tradução para o branco: genocídio, ou, em alguns entendimentos, etnocídio - o que não muda os efeitos da Gran Muerte.
Diante de tal quadro vivenciado por diversos povos indígenas Brasil afora, o líder Guarani e Kaiowá pediu uma declaração urgente da ONU às autoridades brasileiras contra o genocídio dos povos indígenas e que os direitos sejam respeitados e garantidos no país. Eliseu integra o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI).
Faz parte do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, sendo um dos 111 indígenas protegidos pelo Estado por se opor às "expulsões dos territórios, ao acosso, às ameaças e às discriminações", conforme o Guarani e Kaiowá expressou em seu discurso.
Como integrante do Conselho Continental da Nação Guarani, o indígena pediu estudos sobre a situação de 250 mil Guarani espalhados em quatro países - Bolívia, Paraguai, Argentina e Brasil - que vivem "em uma grande família" e passam por situações de violações de direitos humanos semelhantes.
"Quero denunciar que as violências a que estamos submetidos é igual em todos os países.
Não temos o direito de ir e vir, além de nos tratarem como estrangeiros em nosso próprio território. As grandes empresas violam os nossos direitos e os governos nacionais não cumprem com suas normas constitucionais relativas a seguridade e defesa de nossos direitos.
No Paraguai, fazendeiros brasileiros atacam o nosso povo e queimam escolas. Na Bolívia, as petroleiras deixam nosso povo vulnerável.
Na Argentina é muito forte a marginalização de nosso povo; falta assistência e políticas públicas ", afirmou Eliseu Guarani e Kaiowá.
A liderança lembrou que desde a sua última visita ao Fórum da ONU mais um indígena Guarani e Kaiowá acabou assassinado no Brasil: Simião Vilhalva, do tekohá Nhanderú Marangatú, homologado em 2005 pelo governo federal, mas ainda invadido por fazendas.
"Até o momento, nada foi feito para punir os assassinos. Um fazendeira caminha livremente, na luz do dia, nos mostrando armas, inclusive para nossos filhos, e até o momento nada foi feito pelas autoridades brasileiras. Nossas lideranças estão ameaçadas de morte e desprotegidas.
Sofrem intimidações da polícia e são criminalizados por inúmeros processos judiciais", denunciou Eliseu, ele mesmo ameaçado de morte pelo papel que exerce junto ao seu povo e como membro da Aty Guasu - Grande Assembleia Guarani e Kaiowá. No tekohá em que Eliseu vive, o Kurusu Ambá, quase uma dezena de lideranças foi assassinada numa luta de décadas pelo território tradicional - incluindo a anciã Xurite Lopes, morta com tiros pelas costas, sem nenhuma chance de defesa.
A liderança Guarani e Kaiowá pediu à ONU que ajude os povos indígenas a fazer com que o governo brasileiro cumpra a Constituição Federal, garanta direitos e demarque os territórios tradicionais.
Eliseu foi enfático ao dizer que os Guarani e Kaiowá não aguentam mais ver fazendeiros com as mãos sujas de sangue do povo.
"Não queremos que o sangue de nossas famílias reguem a soja, a cana e sirvam de comida para o gado.
Não vamos renunciar a nossos territórios! Por isso, quero dizer nossa Grande Assembleia Aty Guasu está finalizando uma denuncia internacional para a Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil, pelo cumprimento do direito constitucional e pelo etnocídio permanente pelo qual meu povo passa", encerrou Eliseu seu discurso no Fórum da ONU.
Genocídio: uma pauta urgente
Acompanhado pelo missionário Flávio Vicente Machado e pela missionária Laura Vicuña, ambos do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que se pronunciaram também ao Fórum da ONU, Eliseu Guarani e Kaiowá esteve em reunião com representantes do Escritório de Prevenção ao Genocídio da ONU.
“A reunião com o escritório de prevenção de genocídio foi muito importante, primeiro por confirmar que o Caso Guarani e Kaiowá já é objeto de estudo do escritório, que tem como base de análise fatores de risco dos quais os Kaiowá lamentavelmente se enquadram em vários fatores; segundo por compartilhar nossas iniciativas de pesquisas do tema juntamente com universidades brasileiras", avaliou Machado, do CIMI Regional Mato Grosso do Sul.
Sobre o Marco de Análise da ONU, que define os fatores de risco sobre a prevenção do genocídio, crimes de atrocidades ou contra a humanidade, o missionário destacou as pesquisas iniciais da Universidade Unisinas, do Rio Grande do Sul apontando que dos 14 fatores de risco analisados pela ONU, os Guarani e Kaiowá possuem situações que se enquadram em praticamente todos os pontos.
“Genocídio, como diz o Assessor Especial do Secretário Geral da ONU, Adama Dieng, é quando você é morto não pelo que você fez e sim pelo que você é.
Neste sentido precisamos fazer análises técnicas do que historicamente acontece no Mato Grosso do Sul, principalmente quanto aos deslocamentos forçados e o assassinato de membros específicos do povo Guarani e Kaiowá", explicou Machado.
O missionário demonstrou aos representantes da ONU que nos últimos 12 anos houve pelo menos um assassinato de indígena Guarani e Kaiowá a cada ano, na luta pelo território, dos quais em apenas um caso ocorreram prisões - caso Nísio Gomes, assassinado em 2011.
Isso confere ao Mato Grosso do Sul o estado brasileiro que mais mata lideranças indígenas. "Investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) apontam para mortes seletivas e metódicas através de milícias armadas de fazendeiros, num consórcio de morte operando em todo estado, inclusive contra o povo Terena", completou Machado.
Ao escritório da ONU, Eliseu Guarani e Kaiowá e os missionários do CIMI que relataram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para tratar do genocídio em curso no Mato Grosso do Sul.
No entanto, a CPI teve formação majoritária de deputados estaduais da bancada ruralista. "Informamos ao escritório que as organizações indígenas, juntamente com a sociedade civil sul-mato-grossense, com o apoio de advogados e universidades, trabalham um relatório paralelo à CPI. Deputados ruralistas membros da CPI operam para desqualificá-la, estando mais preocupados com a imagem do estado do que com a vida de pessoas - mortas ou impedidas de exercer seus usos e costumes", afirmou o missionário do CIMI.
Eliseu Guarani e Kaiowá uma vez mais relatou episódios de violência contra o seu povo, oferecendo dados de realidade ao Escritório de Prevenção ao Genocídio da ONU.
Para Machado, é importante destacar que o genocídio denunciado não se trata de força de expressão, mas que possui elementos concretos e estudados não apenas pelo CIMI, mas por centros de pesquisa do Brasil:
"Não podemos aceitar análises superficiais e desprovidas de conhecimento, como fazem os deputados membros da CPI", encerrou.
Brasil: uma preocupação
Durante os dias em que o Fórum da ONU ocorreu em Nova Iorque, no Brasil o Senado Federal afastou a presidente Dilma Rousseff em processo de impeachment.
O país passou a ter um governo provisório sob os auspícios do presidente interino Michel Temer, então vice-presidente de Dilma Rousseff. Mesmo com um caráter provisório, Temer, logo nos primeiros dias de seu mandato com forte teor deletério aos direitos sociais, anunciou que iria rever 21 atos administrativos de demarcação de terras indígenas do governo Dilma.
Tais procedimentos administrativos, portarias declaratórias, identificações e homologações, foram publicados entre janeiro e maio deste ano - período estipulado como alvo das reanálises por Temer. Se tratam de terras que aguardavam algum encaminhamento por parte do Poder Executivo há quase uma década.
Em alguns casos, como a Terra Indígena Taunay Ipegue, do povo Terena (MS), havia até decisão da Justiça Federal determinando ao Ministério da Justiça que desse prosseguimento ao processo administrativo dada a demora em ocorrer.
Sobre este contexto, a relatora Especial da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, se pronunciou à 15ª edição do Fórum Permanente com preocupação ao analisar a situação destes povos no Brasil.
Para Victoria, que esteve em março percorrendo terras indígenas no Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará, existem vários indícios de um etnocídio em curso no país.
A relatora afirmou que os benefícios aos interesses privados ocorrem em detrimento dos direitos dos povos indígenas, e que o governo provisório se mostra afeito a intensificar tais práticas que historicamente se constata no Brasil.
A íntegra do pronunciamento de Victoria pode ser vista aqui. Durante fala à sessão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, em Brasília, durante esta semana, Paulino Montejo, assessor da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), defendeu que qualquer revisão de procedimento demarcatório é inconstitucional porque precisa ter fatos que determinem qualquer reanálise e fere diretamente o direito originário, constitucional, à terra.

Fonte da notícia: Por Renato Santana, Assessoria de Comunicação - CIMI

Índios fazem ato no Ministério da Justiça contra revogação de demarcações Leia a matéria completa em: 'Vim chorar aqui': Índios fazem ato no Ministério da Justiça contra revogação de demarcações


Aos 56 anos, o cacique guarani-kaiowá Farid Mariano, do Mato Grosso do Sul, perdeu a conta de quantas vezes veio a Brasília, de ônibus, em busca de confirmações sobre demarcações das terras onde nasceram seus tataravós.
Por Ricardo Senra Do BBC
“Nós estamos acampados há oito anos. Só falam que vão demarcar e não demarcam. Viemos aqui conversar com esse novo governo federal para ver se dão alguma solução para a nossa comunidade.”
Junto ao cacique, um grupo de 60 indígenas do povo guarani-kaiowá protestou, na manhã desta quarta-feira, em frente ao Ministério da Justiça, onde despacha o novo ministro Alexandre de Moraes.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Moraes afirmou que irá rever “demarcações de terras indígenas que foram feitas, se não na correria, no apagar das luzes”.
Ele se refere aos supostos decretos assinados pelo governo da presidente Dilma Rousseff dias antes de seu afastamento pelo Senado, onde agora é alvo de um processo de impeachment.
O despacho mais recente aprovava estudos para demarcação em uma área de 55.590 hectares, na região de Dourados, no sul do Mato Grosso do Sul, tradicionalmente ocupada pelos guarani-kaiowá.
Segundo a Funai, estudos antropológicos identificaram ali quatro territórios tradicionais – Javorai Kue, Pindo Roky, Urukuty e Laguna Joha. Atualmente, mais de 50 mil guarani-kaiowás vivem em uma área equivalente a 0,2% do território do MS e ainda aguardam sua regularização.


Carta


À BBC Brasil, Teresinha Maglia, porta-voz do Ministério da Justiça, disse que protocolou uma carta entregue ao ministro pelos indígenas.
“O documento foi recebido e acabei de protocolar no protocolo do ministro. Ele ainda não respondeu se receberá os indígenas amanhã ou sexta-feira porque está em uma reunião”, afirmou.
Horas depois, em conversa com os indígenas, a representante da pasta disse que um “especialista” receberia os manifestantes até o fim da semana. Os indígenas insistiram em falar diretamente com Alexandre de Moraes e afirmam que permanecerão em Brasília até que o encontro ocorra.
Representantes do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) acompanharam toda a manifestação, que ocupou a entrada lateral do ministério.
“A própria fala do ministro dá indícios de que poderia haver a revisão de atos feitos no final da administração. Alguns (índios) estão há mais de 5 anos esperando e essa sinalização de revogação é um retrocesso de algo que já é moroso e demorou demais”, afirmou Gilberto Vieira, representante do conselho.
A subprocuradora-geral da República, Debora Duprat, disse ao jornal O Globo na última segunda-feira que a revisão de demarcações só é permitida quando há erros no processo e que não acredita ser este o caso neste momento.
“Vim chorar aqui para o ministro para dar para nós nossas terras, onde papai e mamãe morreram, e eu quero voltar lá”, afirmou a indígena Adelaide Moraes à reportagem.
“Já foi publicado e agora querem engavetar de novo”, disse seu conterrâneo M’taeroe.
Alexandre de Moraes, ministro da Justiça, não nega as revogações, mas afirma que “qualquer revisão será feita em total diálogo” com as populações afetadas.
A SAFADEZA 
O Frente de Ação Pro-Xingu esclarece que a Constituição garante proteção e o direito das minorias bem como os territórios tradicionais indígenas demarcados. As brechas legais estão no tipo de demarcação.
As portarias são apenas declaratórias, podendo ser a qualquer momento serem revistas e revogadas, porém os decretos neste contexto tornam-se direito adquirido na forma da lei que se encaixa nas clausulas pétreas da Constituição federal, desta maneira, tornando-se irrevogáveis, visto que, direito adquirido não retroage nem por meio de emenda constitucional!